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| No apartamento de Affonso e Marina, no Rio (foto de Wagner Cosse) |
À mesa do restaurante
Sentados
frente a frente
Você e eu
Lemos.
Os outros
nos olham
E pensam:
Que casal
indiferente.
Enganam-se
É lendo
juntos
Cada um no
casulo de seu livro
Que você
E eu
Mais nos
amamos
“Os outros”,
Marina Colasanti
Escrevo
este texto no dia em que perdemos a escritora e poeta Marina Colasanti
(1937-2025), uma das melhores autoras brasileiras. Não tenho a intenção de me
debruçar sobre a sua rica biografia, mas tratar dos meus encontros
inesquecíveis com ela.
Além
da admiração que sempre nutri por Marina, eu só estive com ela, pela primeira
vez, em 2010 ou 2011, não sei precisar a data, quando ela esteve no Teatro
Santo Agostinho (que administro desde 2009) para uma palestra.
Desde
2002, venho me dedicando como cantor e compositor à poesia brasileira. Gravei
discos a partir da obra de Drummond, Cecília Meireles, Henriqueta Lisboa e Leo
Cunha. Graças a estes projetos, conheci e me tornei amigo do escritor Affonso
Romano de Sant´Anna, marido de Marina. Affonso escreveu o texto de apresentação
do meu disco “Thelmo Lins canta Drummond”, onde teceu elogiosos comentários a
respeito de meu trabalho. Posteriormente, quando eu apresentava o programa “Arte
no Ar”, da TV Horizonte, convidei-o a participar, num episódio totalmente
dedicado ao poeta itabirano. Este programa pode ser acessado pelo YouTube.
Em
determinado momento surgiu a ideia de fazer também um disco de poemas musicados
a partir da obra de Romano. E, melhor ainda, um disco cujo tema seria a poesia
do casal, ou seja, de Marina e Affonso.
Com
a proposta “debaixo do braço”, fui buscar recursos para enfrentar a tarefa, que
exigiria a liberação e o pagamento dos direitos autorais, a contratação dos
compositores, dos músicos e direção musical, além de vários outros itens
pertinentes à gravação de um álbum, como gravação, mixagem, masterização e
prensagem. A princípio, o disco se chamaria “Affonso e Marina”.
Enquanto
inscrevia o projeto nas leis de incentivo e em outros mecanismos de fomento,
garimpei os compositores para participar da empreitada. Como na época eu
capitaneava o programa de televisão “Arte no Ar”, recebia muitos artistas,
principalmente da área musical de Belo Horizonte e Minas Gerais, e fui lá conhecendo
novos nomes. Por outro lado, criei no mesmo Teatro Santo Agostinho, que
administro, um projeto chamado “Caixa Acústica”, que proporcionava
encontros entre talentos da música. Como a programação era definida por edital,
fiquei conhecendo muita gente a partir dessa curadoria. Portanto, costumo dizer
que “Affonso e Marina” foi fruto tanto do “Arte no Ar” como do “Caixa Acústica”.
As
primeiras tentativas de patrocínio foram frustradas. Não houve interesse de
empresas e nem mesmo das leis de incentivo em relação ao projeto, o que me
deixou bastante desapontado. Insistentemente, iniciei uma “caçada” aos
compositores que porventura quisessem participar do projeto, mesmo sabendo que
não havia dinheiro ou perspectivas reais para sua realização. Coisas que nós
artistas vivemos no Brasil, independente da experiência ou do currículo.
Fui
encontrando pessoas que abraçaram a ideia, como os compositores Lucas Avelar,
Tom Nascimento, Gustavo Maguá, Isabella Bretz, Silvia Maneira, Ricardo Novais,
Renato Barushi, Renato Savassi, Irene Bertachini, Déa Trancoso, Milena Torres,
Rodrigo Borges e Wagner Cosse. Eles criaram belíssimas canções a partir dos
poemas de Affonso e Marina, mesmo sem saber se o projeto iria vingar ou não.
Depois
de sete anos de batalha sem conseguir o financiamento, decidi assumir a
gravação do álbum com recursos próprios. E, para tal, teria que
contar com a conivência, a aprovação e a boa vontade dos escritores/poetas para
o empreendimento. A ideia de trocar os direitos autorais por unidades do CD foi
acatada por eles, o que me deu o aval para retomar o processo. O custo dos
direitos autorais costuma pesar no orçamento.
Muitos
poemas escolhidos foram frutos de uma pesquisa que realizei a partir da obra
dos autores, mas alguns compositores propuseram outros temas, que melhoraram a
proposta. Como, por exemplo, a do compositor e cantor Gustavo Maguá de musicar
um poema de Romano chamado “Balada dos Casais”. Além da canção se encaixar
perfeitamente no contexto, ela ainda virou o nome do álbum. Afinal, poderia
haver um nome mais adequado para o disco de dois poetas que são marido e
mulher?
Como
cantor, gravei todas as 14 canções. No estúdio, convidei a banda Trivial e o violonista
Rogério Delayon para assumirem os arranjos e a direção musical das faixas. Para
coroar, chamei as cantoras Sofia Cupertino e Nadeen Zakour para fazerem de
duetos comigo. Nadeen, inclusive, era uma imigrante síria, que estava no Brasil
fugindo da cruel situação de guerra em seu país natal. No dia em que ela
colocou sua voz no estúdio todos ficamos arrepiados e emocionados com sua carga
de sentimentos. A atriz Nilmara Gomes, um dos maiores talentos das artes
cênicas de Minas, também colocou sua voz a serviço de um poema de Marina. A
cereja do bolo – e que cereja! – foi a participação do ator Matheus
Nachtergaele no disco. Ele gravou o poema “Estranhamento”, de Affonso, que
integrou a faixa oito do disco. Matheus, para mim, é o maior ator brasileiro de
sua geração, além de ser uma pessoa realmente encantada.
Finalizamos
a gravação em março de 2017 e, antes de mandarmos fazer a prensagem do CD, tomei
como missão ir ao Rio de Janeiro e apresentar a demo para apreciação e
aprovação dos escritores. A audição seria no apartamento de cobertura do casal,
em Ipanema, com uma varanda com vista para o mar.
Na casa dos poetas
Ali,
Wagner Cosse e eu fomos recebidos com vinho e prosa, mas com muita simplicidade
e hospitalidade. Como é bom conversar com pessoas inteligentes e com um rico
repertório de assuntos! Depois desse preâmbulo, Affonso ligou a aparelhagem de som, colocou o disco para rodar e sentou-se em frente às caixas de som, de mãos
dadas com Marina. E assim, ambos ouviram silenciosamente o disco, fazendo
pequenos comentários aqui e ali sobre as gravações. Wagner e eu, em outro sofá
defronte, ansiosos para saber como seria a avaliação final.
Para
nossa alegria e alívio, a recepção foi extremamente calorosa. Rasgaram elogios
ao resultado e ficaram espantados por sua poesia permitir tantos ritmos e
interpretações. Afinal, o disco tem de tudo: bossa nova, blues, balada, samba,
música árabe, fado, para citar alguns.
Marina
ficou tão entusiasmada que resolveu cozinhar para nós. Desceu e na cozinha fez
uma massa e, posteriormente, nos convidou para um jantar regado a muitas
conversas e mais vinho. Ou seja, o encontro que talvez durasse duas ou três
horas se estendeu até a madrugada. Saímos de lá levitando, plenos de felicidade
e realizados. Depois de tanta luta, finalmente tínhamos a aprovação dos poetas.
“Balada
dos Casais” foi lançado em 2017, ano em que Affonso e Marina completaram 80
anos. O álbum está disponível nas principais plataformas de música, como
Spotify, Deezer, Youtube Music, dentre outras. As cópias do CD, com encarte
feito a partir de obras da artista plástica Selmma Weismmann, já se esgotaram.
Encontrei
Marina uma vez mais na Feira do Livro de Joinville, quando pudemos trocar
algumas ideias. Ela sempre foi muito gentil e solícita. Dona de uma cultura
imensa e com sua incrível literatura. Há muitos livros dela que eu poderia
recomendar, mas um deles me emociona profundamente: “Mais de 100 histórias
maravilhosas”, uma antologia de contos de fadas recriados pela autora. É
sublime!
Viva
Marina Colasanti, que sua obra alivie a dor de não a ter mais habitando este
planeta!
Link para ouvir "Balada dos Casais" : https://open.spotify.com/intl-pt/album/5WPj6S0WX1EreQRN3YNSNg?si=YHf2fmqNSfiD2nr0f25_5Q
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| Na Feira do Livro de Joinville, com Marina (vermelho) e Antonieta Cunha (cabelos pretos) |
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| Com Nilmara Gomes, no lançamento do CD |
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| Com Selmma Weissmann, cujas obras ilustraram o encarte do CD |
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| Com Nilmara, Nadeen, Sofia e Delayon, na gravação do disco |
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| Com Matheus, a "cereja do bolo" |






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