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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Tentando alcançar os astros ou meu encontro com Maria Bethânia

 


No dia 13 de fevereiro de 2025, Maria Bethânia completa 60 anos de carreira. Carreira esta iniciada em 1965, quando, aos 18 anos, ela subia ao palco do Teatro Oficina substituindo a cantora Nara Leão no show "Opinião". Foi um sucesso imediato, principalmente quando ela cantava, de maneira pungente, a canção "Carcará", de João do Vale e José Cândido. 

Nunca mais desceu daquele palco que modificou sua vida e a tornou uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos.

Para mim, a maior artista brasileira: inteira, plena, consciente de sua arte e extremamente sofisticada em sua simplicidade atordoante. 

Eu tive a honra de tê-la em um dos meus discos, em dueto na canção "O mundo é grande", de Sueli Costa e Carlos Drummond de Andrade, no CD "Thelmo Lins canta Drummond".

O texto a seguir, eu escrevi e publiquei no livro "1973 - O ano que reinventou a MPB", organizado por Célio Albuquerque e lançado em 2013.

Nesta singela postagem, eu homenageio a grande diva da música brasileira e minha eterna inspiração.


Uma crônica sobre o disco “Drama 3º Ato / Luz da Noite”, de Maria Bethânia


O primeiro contato que tive com a obra de Maria Bethânia foi em 1976, aos 13 anos de idade. Até então, na minha casa, em Itabirito, no interior de Minas Gerais, ouvíamos rádio, em especial a Atalaia, que praticamente programava o que hoje chamamos de música brega. E dá-lhe Paulo Sérgio, Ângelo Máximo, Diana, Vanusa, Odair José, Jane e Herondy, Roberto Carlos (sim, naquela época, ele era um dos expoentes!), entre outros nomes.  Não que fosse minha emissora favorita, mas era o que ficava no ar na casa de meus pais, numa época em que eu não sabia muito de Bossa Nova, Clube da Esquina ou Tropicalismo.

Pois é, nessa mesma emissora “brega”, começamos a ouvir “Olhos nos olhos”, de Chico Buarque, com... Maria Bethânia. No ano seguinte, em 1977, meu pai comprou uma radiola bonita, daquelas de móvel. Para ouvir, eu pedi um disco da Maria Bethânia chamado “Pássaro da Manhã”. No LP, gravado em estúdio, tinha “Tigresa”, “Um jeito estúpido de te amar”, “Teresinha”, entre outras canções, além de poemas de Fernando Pessoa e textos de Fauzi Arap e Clarice Lispector. 

Aquele disco foi o meu canal. A partir dali, queria saber tudo sobre esta cantora. Vale lembrar que não existia loja de discos em Itabirito e, é claro, internet e outros meios de comunicação com o mundo. Tínhamos o jornal, a enciclopédia e a curiosidade.

Bethânia abriu minha cabeça para grandes autores, músicas do passado, interpretadas por Dalva de Oliveira. Meu pai, que sempre foi fã de Nelson Gonçalves, dizia: “Eu conheço esta música, mas ela canta muito diferente do original”. Eu achava isso o máximo. Era (eu poderia arriscar?) interpretação. 

Eu era um adolescente nesta época e queria ser artista. Especialmente, ator. O teatro, a televisão e o cinema eram os meus interesses. As mensagens emitidas por aquele LP me instigavam a conhecer outras facetas da obra da cantora, que tinha um jeito teatral de interpretar as canções. De repente, eu também queria ser aquilo.

Daí, eu chego a “Drama 3º Ato / Luz da Noite”, de 1973. Muito mais do que aquele conteúdo musical e artístico interessante (embora sempre achasse a gravação com problemas técnicos), eu absorvia o estilo. Na capa, uma foto em preto e branco de Maria Bethânia retocada com gliter, que a fazia parecer um palhaço. Na parte interna do CD, uma foto do palco, com belas cortinas que lembravam um circo. Estampados na cortina, vários desenhos. Um deles, de Polly, remetia ao mesmo desenho da capa. 

Mas foi da contracapa que vinha o espanto maior. E não era a foto da sorridente Mãe Menininha do Gantois, com a letra da canção de Caymmi, inserida no repertório. Eram os versos, escritos com a caligrafia da cantora, que diziam: “Não pode alcançar os astros / Quem leva a vida de rastros / Quem é poeira do chão”. É engraçado comentar sobre isso hoje, neste texto, mas isso mudou toda a minha vida! Eu era um menino do interior, com ambições relativas, filho de pais comerciantes, que estava fadado a trabalhar no comércio local, vendendo linhas, agulhas, botões e retroses, quando senti que o mundo oferecia sonhos quase inimagináveis. 

Levava essas descobertas para minha turma de amigos que gostava de música, teatro, cinema, literatura. Discutíamos esses assuntos, essas músicas e esses poetas, que aos poucos foram consolidando minha profunda ligação com a arte.

O disco, gravado ao vivo, costurava canções novas (daquela época), como “Baioque” e “Tatuagem”, de Chico Buarque; “Esse cara”, de Caetano Veloso; “Como vai você”, de Antônio e Mário Marcos, grande sucesso; e “Filhos de Gandhi”, de Gilberto Gil; com canções do passado, revividas de forma magistral, como “Eu sou a outra” (sucesso de Carmem Costa, que conheci muito mais tarde), “E o mundo não se acabou”, de Assis Valente (famosa na voz da Pequena Notável), “Volta por cima”, de Paulo Vanzolini (o mesmo autor de “Ronda”), entre tantas outras.

Em determinado momento do LP/espetáculo, Bethânia interpretava um texto de Antônio Bivar sobre a vontade que ela tinha de ser trapezista e fugir com o circo. No texto, apareciam os personagens: o palhaço Polly, mencionado no cenário, Topsy e Diderlang, dono do circo, “que parecia um príncipe”. No final do texto, Bethânia emendava com “Estrela do Mar”, sucesso de Dalva. Comecei a fazer os links: textos dramáticos, Dalva, temas polêmicos daquela época e do passado; o negror de uma ditadura militar, que eu vivi somente nas canções; Chico, Gil, Caetano.

Senti que havia uma pesquisa de roteiro, que as canções e os textos tinham uma cadência. A cantora tinha o hábito também de trabalhar com o Terra Trio, o mesmo núcleo instrumental de “Pássaro da Manhã”. Mais tarde, colecionando os LP’s de Bethânia (hoje, eu tenho sua obra completa), notei que a virada artística da cantora de “Carcará” se deu no show “Rosa dos Ventos”, que já vinha impregnado desse estilo, amadurecido em “Drama 3º Ato / Luz da Noite” e, no ano seguinte, em “Cena Muda” (1974). E esse padrão foi retomado show após show, em constante aprimoramento da sua arte e das condições técnicas para gravação de um disco ao vivo. Eu poderia arriscar a dizer que conheci a música popular brasileira a partir de “Drama 3º Ato / Luz da Noite”. E, de forma especial, comecei a me entender melhor como ser humano a partir daquelas canções e texto. Germinava, ali, uma semente, que eu iria pôr em prática no futuro: atuar na área cultural.

Maria Bethânia, em depoimento ao escritor e crítico musical Rodrigo Faour, por ocasião da reedição de sua obra, em 2006, relatava que o show “Drama 3º Ato / Luz da Noite” era “mais sensorial, tocava mais na sensibilidade, enquanto ‘Rosa dos Ventos’ e ‘Cena Muda’ tinham discussões internas muito fortes”. A cantora cita que a sua influência vinha do trabalho de direção de Fauzi Arap, nome comum em quase todos os discos e shows da cantora nesse período. O diretor trazia para os trabalhos o universo poético e dramático, reforçando as características originais da cantora, que sempre esteve no caminho entre a música e o teatro. Nesse parâmetro, o disco unia as coisas que eu mais gostava. 

Comecei a mirar o meu olhar e o meu sentimento para outros artistas que circundavam aquela obra. Caetano eu já conhecia. Chico Buarque sempre esteve na minha lista dos melhores. Gil, com sua musicalidade visceral, para mim ainda era o do “Aquele Abraço”. Ouvindo aqueles discos, descobri novas paixões, que marcariam minha vida, como Sueli Costa, Fernando Pessoa e Dorival Caymmi. De quebra, comecei a prestar mais atenção em Gal Costa, Elis Regina, Nara Leão, Carmem Miranda, a já citada Dalva de Oliveira, Custódio Mesquita, Lamartine Babo, os Doces Bárbaros, os Novos Baianos... a lista era infinita.

Atualmente, considerando a atual geração de ouvintes, que usa aplicativos, pesquisa e baixa músicas na internet, e não tem hábito de comprar CD’s, penso o quanto aquele “Drama 3º Ato / Luz da Noite” fez por mim, tão carente de informações no interior de Minas, naquela década de 1970. 

Outro ponto que ressalto é o comportamental. Bethânia sempre teve uma postura diferente em relação ao que era o padrão estético da época. Seu rosto forte, as roupas sensuais, os cabelos revoltos e algumas atitudes às vezes agressivas me marcaram. Aquela mulher sustentava suas atitudes. Na revista Veja, ela aparecia beijando Gal Costa na boca, numa época em que o selinho da Hebe Camargo ainda estava no armário. Um escândalo. Perguntada por que desafinava nos shows, ela respondia que, como desafinava na vida, também desafinava na arte. Uau. O que era isso?

Em 1973, ano do lançamento de “Drama 3º Ato / Luz da Noite”, a vida era muito careta em Itabirito. Vivíamos em plena ditadura militar. Como eu era pequeno (tinha somente 10 anos e estava na então 4ª série primária), meus interesses não passavam da vontade de andar com minha bicicleta Caloi e brincar com meus amigos do bairro, em ruas ainda de terra. Nesse ano, o professor José Bastos Bittencourt ganhou a eleição para a prefeitura de Itabirito. Mas Bittencourt era do MDB, partido de oposição ao governo militar. Então, Itabirito comungava, com uma boa parte do país, da insatisfação com aquele regime. Para nós, crianças, ele era apenas o pai de um dos nossos colegas, o Lauro. Mais tarde, já com minha consciência política, é que percebi o quanto o crescimento da oposição foi importante para a reabertura política. 

Minha vida seguiu seu rumo. Ao invés de ser um comerciante, resolvi fazer teatro e jornalismo. Mais tarde, envolvi-me com a música. E, desta, para uma expressão artística que mescla várias manifestações, como a literatura, as artes plásticas, a fotografia, o cinema. A senha de “Drama 3º Ato / Luz da Noite” foi a minha saída do exílio. Ao invés de optar por um caminho, queria trilhar vários, queria abraçar o mundo. 

Em 2003, trinta anos depois do lançamento desse fantástico disco, eu me encontrei numa posição diferente. Estava gravando meu terceiro disco, “Thelmo Lins Canta Drummond”, com poemas musicados do poeta itabirano. Grandes compositores criaram canções especialmente para esse disco, como Sueli Costa, Francis Hime, Milton Nascimento, Joyce, José Miguel Wisnik, Belchior, Tavinho Moura, Ladston do Nascimento, Flavio Henrique, Renato Motha e Geraldinho Alvarenga. Quando recebi “O Mundo é Grande”, de Sueli Costa, logo percebi que havia na canção aquele mesmo estilo de lá de trás, quando ouvia Bethânia interpretar os clássicos da MPB. Numa atitude completamente ousada, minha produção fez contato com a cantora para saber se ela teria o interesse de participar de um disco independente de um cantor mineiro desconhecido. E não é que ela topou?

Quando a encontrei no estúdio da gravadora Biscoito Fino, no Rio de Janeiro, ao lado de, entre outros, do violonista Jaime Além, todo um ciclo se completou em minha vida. Estava ali, perto de mim, a minha grande referência artística e estética. Uma das maiores cantoras do Brasil e do mundo. Fizemos uma sessão de fotos, trocamos algumas palavras, presentes e abraços. Ela me disse, carinhosamente, que não estava se sentindo muito bem naquele dia, mas que tinha ido ao estúdio para cumprir aquele compromisso. E, ao ouvir a canção, ela havia até melhorado seu estado de saúde. Foi inesquecível. Um ano depois, recebi outro presente. Bethânia colocou a canção no seu CD anual, em um novo registro.

Ela, com certeza, não sabe dessas histórias, que hoje registro neste livro. Não tem ideia do quanto seu canto e sua performance modificaram a minha vida e a minha percepção da área artística. E, talvez, não tenha a dimensão do quanto é caudaloso o seu rio de vida e canções, que formam tantos afluentes. Mas eu estive na plateia de alguns dos seus principais shows ao longo dos últimos 20 anos, aplaudindo-a. Sempre quando lanço meus discos, envio-os para sua residência, no Rio de Janeiro. Uma vez, vendo uma pintura que representava a Fé, a Esperança e a Caridade no teto de uma igreja barroca em Sabará, pensei nela. Registrei a imagem, ampliei, emoldurei e mandei para ela de presente. 

Hoje, além do CD físico, “Drama 3º Ato / Luz da Noite” está no meu celular. Escuto toda vez que posso, ainda degustando aquelas maravilhosas canções. Ainda me emociono com a letra de “Drama”, do mano Caetano, que diz “eu minto, mas minha voz não mente. Minha voz soa exatamente de onde o corpo da alma de uma pessoa se produz a palavra eu”. Pois é, Bethânia, eu me produzi a partir de seus recados cifrados naquele disco. E tentei, ao meu jeito, alcançar os meus astros, recusando veementemente a ser poeira do chão. 


Tentando alcançar os astros ou meu encontro com Maria Bethânia

  No dia 13 de fevereiro de 2025, Maria Bethânia completa 60 anos de carreira. Carreira esta iniciada em 1965, quando, aos 18 anos, ela subi...