terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Frente a frente com Marina Colasanti e Affonso Romano de Sant´Anna

 

No apartamento de Affonso e Marina, no Rio
(foto de Wagner Cosse)


À mesa do restaurante

Sentados frente a frente

Você e eu

Lemos.

Os outros nos olham

E pensam:

Que casal indiferente.

Enganam-se

É lendo juntos

Cada um no casulo de seu livro

Que você

E eu

Mais nos amamos

 

“Os outros”, Marina Colasanti

 

            Escrevo este texto no dia em que perdemos a escritora e poeta Marina Colasanti (1937-2025), uma das melhores autoras brasileiras. Não tenho a intenção de me debruçar sobre a sua rica biografia, mas tratar dos meus encontros inesquecíveis com ela.

            Além da admiração que sempre nutri por Marina, eu só estive com ela, pela primeira vez, em 2010 ou 2011, não sei precisar a data, quando ela esteve no Teatro Santo Agostinho (que administro desde 2009) para uma palestra.

            Desde 2002, venho me dedicando como cantor e compositor à poesia brasileira. Gravei discos a partir da obra de Drummond, Cecília Meireles, Henriqueta Lisboa e Leo Cunha. Graças a estes projetos, conheci e me tornei amigo do escritor Affonso Romano de Sant´Anna, marido de Marina. Affonso escreveu o texto de apresentação do meu disco “Thelmo Lins canta Drummond”, onde teceu elogiosos comentários a respeito de meu trabalho. Posteriormente, quando eu apresentava o programa “Arte no Ar”, da TV Horizonte, convidei-o a participar, num episódio totalmente dedicado ao poeta itabirano. Este programa pode ser acessado pelo YouTube.

            Em determinado momento surgiu a ideia de fazer também um disco de poemas musicados a partir da obra de Romano. E, melhor ainda, um disco cujo tema seria a poesia do casal, ou seja, de Marina e Affonso.

            Com a proposta “debaixo do braço”, fui buscar recursos para enfrentar a tarefa, que exigiria a liberação e o pagamento dos direitos autorais, a contratação dos compositores, dos músicos e direção musical, além de vários outros itens pertinentes à gravação de um álbum, como gravação, mixagem, masterização e prensagem. A princípio, o disco se chamaria “Affonso e Marina”.  

            Enquanto inscrevia o projeto nas leis de incentivo e em outros mecanismos de fomento, garimpei os compositores para participar da empreitada. Como na época eu capitaneava o programa de televisão “Arte no Ar”, recebia muitos artistas, principalmente da área musical de Belo Horizonte e Minas Gerais, e fui lá conhecendo novos nomes. Por outro lado, criei no mesmo Teatro Santo Agostinho, que administro, um projeto chamado “Caixa Acústica”, que proporcionava encontros entre talentos da música. Como a programação era definida por edital, fiquei conhecendo muita gente a partir dessa curadoria. Portanto, costumo dizer que “Affonso e Marina” foi fruto tanto do “Arte no Ar” como do “Caixa Acústica”.  

            As primeiras tentativas de patrocínio foram frustradas. Não houve interesse de empresas e nem mesmo das leis de incentivo em relação ao projeto, o que me deixou bastante desapontado. Insistentemente, iniciei uma “caçada” aos compositores que porventura quisessem participar do projeto, mesmo sabendo que não havia dinheiro ou perspectivas reais para sua realização. Coisas que nós artistas vivemos no Brasil, independente da experiência ou do currículo.

            Fui encontrando pessoas que abraçaram a ideia, como os compositores Lucas Avelar, Tom Nascimento, Gustavo Maguá, Isabella Bretz, Silvia Maneira, Ricardo Novais, Renato Barushi, Renato Savassi, Irene Bertachini, Déa Trancoso, Milena Torres, Rodrigo Borges e Wagner Cosse. Eles criaram belíssimas canções a partir dos poemas de Affonso e Marina, mesmo sem saber se o projeto iria vingar ou não.

            Depois de sete anos de batalha sem conseguir o financiamento, decidi assumir a gravação do álbum com   recursos próprios. E, para tal, teria que contar com a conivência, a aprovação e a boa vontade dos escritores/poetas para o empreendimento. A ideia de trocar os direitos autorais por unidades do CD foi acatada por eles, o que me deu o aval para retomar o processo. O custo dos direitos autorais costuma pesar no orçamento.

            Muitos poemas escolhidos foram frutos de uma pesquisa que realizei a partir da obra dos autores, mas alguns compositores propuseram outros temas, que melhoraram a proposta. Como, por exemplo, a do compositor e cantor Gustavo Maguá de musicar um poema de Romano chamado “Balada dos Casais”. Além da canção se encaixar perfeitamente no contexto, ela ainda virou o nome do álbum. Afinal, poderia haver um nome mais adequado para o disco de dois poetas que são marido e mulher?

            Como cantor, gravei todas as 14 canções. No estúdio, convidei a banda Trivial e o violonista Rogério Delayon para assumirem os arranjos e a direção musical das faixas. Para coroar, chamei as cantoras Sofia Cupertino e Nadeen Zakour para fazerem de duetos comigo. Nadeen, inclusive, era uma imigrante síria, que estava no Brasil fugindo da cruel situação de guerra em seu país natal. No dia em que ela colocou sua voz no estúdio todos ficamos arrepiados e emocionados com sua carga de sentimentos. A atriz Nilmara Gomes, um dos maiores talentos das artes cênicas de Minas, também colocou sua voz a serviço de um poema de Marina. A cereja do bolo – e que cereja! – foi a participação do ator Matheus Nachtergaele no disco. Ele gravou o poema “Estranhamento”, de Affonso, que integrou a faixa oito do disco. Matheus, para mim, é o maior ator brasileiro de sua geração, além de ser uma pessoa realmente encantada.

            Finalizamos a gravação em março de 2017 e, antes de mandarmos fazer a prensagem do CD, tomei como missão ir ao Rio de Janeiro e apresentar a demo para apreciação e aprovação dos escritores. A audição seria no apartamento de cobertura do casal, em Ipanema, com uma varanda com vista para o mar.

Na casa dos poetas

            Ali, Wagner Cosse e eu fomos recebidos com vinho e prosa, mas com muita simplicidade e hospitalidade. Como é bom conversar com pessoas inteligentes e com um rico repertório de assuntos! Depois desse preâmbulo, Affonso ligou a aparelhagem de som, colocou o disco para rodar e sentou-se em frente às caixas de som, de mãos dadas com Marina. E assim, ambos ouviram silenciosamente o disco, fazendo pequenos comentários aqui e ali sobre as gravações. Wagner e eu, em outro sofá defronte, ansiosos para saber como seria a avaliação final.

            Para nossa alegria e alívio, a recepção foi extremamente calorosa. Rasgaram elogios ao resultado e ficaram espantados por sua poesia permitir tantos ritmos e interpretações. Afinal, o disco tem de tudo: bossa nova, blues, balada, samba, música árabe, fado, para citar alguns.

            Marina ficou tão entusiasmada que resolveu cozinhar para nós. Desceu e na cozinha fez uma massa e, posteriormente, nos convidou para um jantar regado a muitas conversas e mais vinho. Ou seja, o encontro que talvez durasse duas ou três horas se estendeu até a madrugada. Saímos de lá levitando, plenos de felicidade e realizados. Depois de tanta luta, finalmente tínhamos a aprovação dos poetas.

            “Balada dos Casais” foi lançado em 2017, ano em que Affonso e Marina completaram 80 anos. O álbum está disponível nas principais plataformas de música, como Spotify, Deezer, Youtube Music, dentre outras. As cópias do CD, com encarte feito a partir de obras da artista plástica Selmma Weismmann, já se esgotaram.

            Encontrei Marina uma vez mais na Feira do Livro de Joinville, quando pudemos trocar algumas ideias. Ela sempre foi muito gentil e solícita. Dona de uma cultura imensa e com sua incrível literatura. Há muitos livros dela que eu poderia recomendar, mas um deles me emociona profundamente: “Mais de 100 histórias maravilhosas”, uma antologia de contos de fadas recriados pela autora. É sublime!

            Viva Marina Colasanti, que sua obra alivie a dor de não a ter mais habitando este planeta!


Link para ouvir "Balada dos Casais" : https://open.spotify.com/intl-pt/album/5WPj6S0WX1EreQRN3YNSNg?si=YHf2fmqNSfiD2nr0f25_5Q

           

Na Feira do Livro de Joinville, com Marina (vermelho)
e Antonieta Cunha (cabelos pretos)

Com Nilmara Gomes, no lançamento do CD

Com Selmma Weissmann, cujas obras ilustraram o encarte do CD

Com Nilmara, Nadeen, Sofia e Delayon, na gravação do disco

Com Matheus, a "cereja do bolo"


 


quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Revivendo o antigo Cine Pax

 

Na inauguração do novo Cine Teatro Liz Bastos
(foto de Wagner Cosse)


            O antigo Cine Pax foi reinaugurado em dezembro de 2024, após uma minuciosa reforma, e com o nome alterado para Cine Teatro Liz Bastos. Há 30 anos que ele não existia mais como cinema. A prefeitura havia comprado o espaço e, esporadicamente, ele era utilizado para reuniões, palestras e formaturas.

            Na noite da estreia, adentrando o espaço, vieram-me à tona muitos sentimentos e lembranças. Como, acredito, em várias pessoas que por ali passaram nos dias que se seguiram. Afinal, o cine foi inaugurado em 1959 e, deste então, vem provocando impacto em várias gerações com suas atrações tanto cinematográficas quanto artísticas. Muitos talentos passaram por ali. Dentre tantos, destaco a atriz Maria Fernanda que nos anos 1970 fez a leitura dramática do “Romanceiro da Inconfidência”, obra-prima de sua mãe, a poeta Cecília Meireles.

            Abordo aqui alguns fatos que me marcaram naquele local. Primeiramente, os festivais da canção realizados anualmente com acirrada competição. Eu mesmo já participei de dois deles: um como cantor, defendendo uma música de minha autoria; e outro como jurado, sujeito a todos os aviõezinhos de papel jogados pela plateia ora brincalhona, ora enfurecida.

            Foi no Cine Pax que eu conheci os filmes de Mazzaropi, Tarzan e d’Os Trapalhões. Menciono estes, pois eram os sucessos de bilheteria. Mas até mesmo o clássico “Sonata de Outono”, uma das melhores obras de Ingmar Bergman foi exibido lá. Com muita fila, diga-se de passagem, apesar de boa parte da plateia não fazer ideia da profunda dramaticidade desta película.

            No cinema também vi várias pornochanchadas e filmes pornôs, bem característicos daqueles anos 1980. Íamos em turma e o resultado era uma sequência de risadas (por incrível que pareça!). Anos mais tarde, na companhia de Gilvan Silva, descobri nos escombros do prédio uma lata e, nela, vários pedaços cortados desses mesmos filmes, contendo as cenas mais picantes, tal e qual o filme “Cinema Paradiso”.

            Foi no Cine Pax já bem debilitado que eu produzi uma apresentação da escritora Adélia Prado a Itabirito, em 2005, quando atuava como gestor cultural na Prefeitura Municipal. Adélia ficou impressionada com a quantidade de pessoas que foram lá para vê-la: todas as 700 poltronas estavam ocupadas e havia gente em pé! Tive a oportunidade de levar os compositores Fernando Brant e Tavinho Moura, em outra noite memorável. Ambas apresentações geraram programas especiais de televisão que, posteriormente, foram exibidos pela Rede Minas.

            Tempo e memória! Recordações! Lembranças tão amorosas de um tempo bom que renasce nas cinzas, graças a um trabalho primoroso dos novos gestores culturais da cidade. E que abre espaço mais novos sonhos, novas histórias e novos sentimentos.

domingo, 23 de janeiro de 2022

Elza, a medalha e eu

 


            Elza Soares encantou-se no dia 20 de janeiro de 2022, deixando todo o país comovido. Aos 91 anos, teve uma trajetória artística impressionante, iniciada em 1953, quando foi ao famoso programa de calouros de Ary Barroso e ouviu dele a frase: “nasce uma nova estrela na música brasileira”.

            Essa estrela viveu altos e baixos, rompendo com muitos padrões pré-estabelecidos pela sociedade, sofrendo – por isso – muitos revezes. Meu objetivo neste texto não é contar a história da grande cantora, mas relembrar um pouco de minha convivência com ela.

ENCONTRO DOS RIOS

            Em 2000, estava preparando para gravar meu primeiro disco solo, “Encontro dos Rios”, somente com canções de compositores que nasceram ou viveram em minha cidade natal, Itabirito, na Região dos Inconfidentes em Minas Gerais. O município tem longa tradição musical, marcada por corporações musicais (uma delas com mais de cem anos), inúmeros compositores e intérpretes.

            Convidei a historiadora Rogéria Malheiros para trabalhar comigo no recolhimento deste repertório nas casas dos autores que conhecíamos e nos acervos musicais, encontrando mais de 500 partituras, a maioria inédita, ou seja, que não tinham merecido nenhum registro fonográfico.

            Escolher dentre tantas as canções que iriam constar no disco foi uma tarefa dificílima. Ouvimos muitas fitas cassete, recebemos muitas partituras e gravamos alguns temas que não estavam registrados em nenhum desses canais. No final das contas, selecionamos 15 canções e mais uma pequena vinheta, com trechos dos hinos dos clubes de Itabirito.

            Da turma mais antiga, autores que já haviam falecido naquela época, estavam Tertuliano Silva (1897-1973), José Onofre Neiva, o maestro Dungas (1913-1985), Pe. Francisco Xavier Gomes (1918-1981), Francisco Silva (1919-1999) e João Paschoal (1927-1998). Raimunda da Costa Salvador de Oliveira (1922), a única mulher compositora que estava registrada no disco, ainda estava viva quando fizemos o disco, embora em estado de coma. A autora faleceu anos mais tarde.

            Dos contemporâneos, gravamos Toninho Telefunken (1957), Kelver Crispim (1962), Ubiraney Silva (1963) e Marcio Lima (1968). Também participei como autor ou coautor em algumas faixas. Dentre elas, “Veja a banda chegar”, do maestro Dungas que, até então, era apenas um tema instrumental. Com o consentimento da família, eu pus letra para poder gravá-la.

            O disco teve inúmeras participações especiais, como as cantoras Linê Maria, Mimita Malheiros e Dirinha, representantes da Era de Ouro da música local; cantores dos Canarinhos de Itabirito, o cavaquinhista Waldir Silva, a pianista Graça Bastos, a dupla Frederico e Christiano, dentre outros. O projeto teve inspirados arranjos realizados por Geraldo Vianna e contou com alguns dos melhores músicos da cena mineira.

            Como citei anteriormente, João Paschoal estava dentre os compositores escolhidos para participar do projeto. Estive em sua residência, aonde conversei com as filhas, que eram detentoras de seu patrimônio. Paschoal era uma figura ímpar. Nos anos 1960 e 70, foi proprietário da gravadora Lugunel e, por ela, gravava seus discos, tornando-se o “Rei do Rojão Mineiro”. Além disso, foi o responsável pela direção do Congado (ele morava ao lado da igreja do Rosário, em Itabirito, construída por escravos no século XVIII).

VIVO A PENSAR

As filhas de Paschoal me repassaram várias fitas e discos, de onde pude escolher dois temas musicais que compactei na faixa “Vivo a pensar”. Na surdina, sem que os familiares soubessem, convidei Elza Soares para gravar no meu disco, cantando exatamente a música criada por Paschoal.

Conheci a cantora em um show no Teatro Alterosa, em Belo Horizonte, no final dos anos 1990. Ela ainda não tinha resgatado o público que tivera no início de sua carreira, mas também não se encontrava em uma situação tão delicada quanto estava no início dos anos 1980, quando viveu vários problemas pessoais e financeiros, como a morte do jogador de futebol Garrincha, seu antigo parceiro, e do filho que os dois tiveram, Garrinchinha (que morreu em um acidente de carro, em 1986, aos 10 anos de idade).

Aquela mulher “dura na queda” estava cantando mais do que nunca. A dor da perda dos parentes e dos problemas que enfrentou na época da Ditadura Militar, quando teve sua casa metralhada, fizeram uma marca profunda em seu canto. Quando eu a ouvi interpretando “Meu Guri”, de Chico Buarque, à capela, naquele show, fiquei definitivamente apaixonado por ela.

Elza aceitou fazer a participação especial no meu disco, aproveitando que viria a Belo Horizonte para fazer uma apresentação. O disco ainda não tinha as bases completas e Elza gravou a voz apenas com o acompanhamento do violão-guia, feito por Geraldo, e do baterista Neném. Foi um show de suingue!

Quando fui colocar a minha voz, dias depois, para concluir o dueto, fiquei sem saber exatamente o que faria, já que ela simplesmente tinha deixado uma gravação arrasadora. Tentei (e acho que com algum sucesso) inserir minha participação, sempre brincando com as quebradas que ela tinha inserido na gravação e respondendo à sua proposta musical.

“Vivo a pensar” foi a faixa mais tocada do disco e me colocou em evidência, pois naquele tempo eu havia sido o primeiro cantor daquela geração a gravar com a grande Elza. Fiz um lançamento do disco em Itabirito, com a presença de todos os autores e familiares. Quando as filhas de Paschoal ouviram a faixa pela primeira vez não acreditaram que uma composição do seu pai pudesse ser registrada naquela voz tão impressionante e emblemática de música brasileira. Foi um chororô danado de todos os que estavam presentes. E um momento inesquecível de minha carreira.

“Encontro dos Rios” foi lançado em 2001 e, em setembro daquele ano, eu recebi da Câmara Municipal de Itabirito a Medalha Francisco Homem del Rey, outorgada às pessoas que contribuem com o desenvolvimento social e cultural de Itabirito. Fui o mais jovem itabiritense a receber essa honraria, que guardo com muito carinho.

De acordo com o crítico Jorge Fernando do Santos, do jornal Estado de Minas (14/02/01), “Encontro dos Rios” é “um projeto que merece aplausos e um lugar de honra nas estantes que guardam a memória de Minas”.

 

Ouça “Vivo a pensar” em:

https://soundcloud.com/tw-cultural/vivo-a-pensar


A proposta de me premiar com a Medalha Francisco Homem del Rey foi iniciativa do vereador Arnaldo, a quem eu presto aqui minha homenagem e meus agradecimentos.

 

 

 

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

O dia em que Elis morreu

Aos 18 anos, eu estava em Paraty quando Elis Regina morreu.
Arte @thelmolins

    No dia 19 de janeiro de 1982, a cantora Elis Regina morreu. Portanto, há 40 anos! Viajei no passado e me lembrei de fatos que aconteceram na época. A notícia deixou todo o país estupefato, considerando que ela era, naquela época, uma das cantoras de maior visibilidade na mídia nacional e internacional.
    
    Eu estava em Paraty, cidade histórica do litoral fluminense, quando soube do acontecimento. Era a primeira vez que eu visitava o local, ao lado de várias queridas amigas*. Estávamos acampados em um terreno na área central do município. Eu tinha apenas 18 anos. Passamos o dia inteiro passeando pelas praias da região. Ao chegarmos no local do acampamento, foi que soubemos do acontecimento.

    Ficamos sem chão. Para homenageá-la, entoei, enquanto me banhava, alguns de seus sucessos, a todos pulmões. Não economizei na cantoria. Dá-lhe “O Bêbado e a Equilibrista”, “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá”, “Casa de Campo”, dentre outros. “Caiiiiiia a tarde feito um viaduuuuuto...!!!” Para piorar, a água do chuveiro ela gelada, o que sempre provocava em todos nós um choque inicial, que vinha acompanhado por um berro. 

    À noite, ousei pedir aos donos da casa para assistir ao Jornal Nacional, porque queríamos saber das notícias. Na barraca, com certeza, não tinha nem rádio nem TV. Os proprietários concordaram. Estávamos tão chocados que nem notamos que estávamos ocupando todos os sofás na sala de estar, deixando os familiares de pé e sem saber o que fazer. “Que povo inconveniente”, devem ter pensado.

    Alheios a este sentimento, acompanhamos todo o noticiário. A primeira reportagem era sobre o desabamento de uma passarela em Foz do Iguaçu, que havia feito várias vítimas. O teor da enxurrada e da tempestade se confundia com as súplicas dos visitantes. O último assunto foi o falecimento da grande cantora. À medida que a reportagem avançava, ficávamos mais à vontade ainda e deixamos desabar o nosso pranto, cada vez mais contundente, como se fosse um parente que estivesse passando por aquela situação. As lágrimas rolavam aos borbotões. Somente quando o jornal finalizou é que percebemos, ao olhar para trás, que o pessoal da casa nos olhava de cara fechada. 

    Inconvenientes ou não, estávamos diante de uma morte trágica. Elis tinha apenas 35 anos! Como amantes da música brasileira, aquele dia se tornou para sempre inesquecível. Era impossível não nos emocionarmos. Anos mais tarde, também em Paraty, vivenciei a queda das Torres Gêmeas, mas isso é assunto para outra postagem. 

 * Minhas companheiras de viagem foram: Tuta, Beth, Mariângela, Valéria e Claudia.

Tentando alcançar os astros ou meu encontro com Maria Bethânia

  No dia 13 de fevereiro de 2025, Maria Bethânia completa 60 anos de carreira. Carreira esta iniciada em 1965, quando, aos 18 anos, ela subi...